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Blog - Ale Toledo

Corpo presente: o movimento consciente na técnica Klauss Vianna

O texto a seguir é parte integrante de uma série de quatro reflexões que compõem o projeto "Poéticas da Alma", ação cultural apoiada pela Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), por meio do EDITAL DE CHAMAMENTO PÚBLICO Nº 03/2023 - CONCESSÃO DE BOLSAS - LEI PAULO GUSTAVO  da Superintendência Municipal de Cultura de Pouso Alegre/MG.


O Corpo no Hatha Yoga


No contexto atual do yoga, ao se pensar em uma prática, a primeira imagem que surge é a de pessoas executando posturas, conhecidas na tradição como asanas. Embora os asanas sejam uma parte visível e popularizada do yoga moderno, eles representam apenas uma fração do vasto conjunto de ensinamentos do Hatha Yoga. Esta tradição tântrica inaugura uma fase significativa na espiritualidade indiana, na qual o corpo assume um papel central. Ao contrário de abordagens espirituais anteriores, que viam o corpo como algo a ser superado, o Hatha Yoga o reconhece como um veículo de transformação espiritual. O corpo é, assim, elevado ao status de templo, onde o divino pode ser percebido e experienciado diretamente através da prática física.



Dentro dessa visão, o corpo é compreendido como um microcosmo que espelha o macrocosmo, ou seja, os elementos e forças presentes na natureza (como o sol, a lua, as montanhas e os rios) são simbolicamente refletidos no corpo humano. Nessa abordagem surge também a concepção de uma anatomia sutil, que inclui sistemas como os chakras (centros de energia), os nadis (canais energéticos) e os granthis (nós energéticos), entre outros aspectos sutis do ser. Essa visão amplia a prática do yoga além do corpo físico, integrando dimensões mais profundas e sutis da existência, onde a transformação se dá tanto no nível material quanto espiritual.


A partir da minha experiência pessoal, gosto de perceber o asana como um caminho de aprofundamento no autoconhecimento, uma oportunidade de cultivar uma percepção mais sutil e refinada do meu corpo, dos seus movimentos e do estado mental em que me encontro durante a prática. Cada postura se torna uma porta de entrada para um estado de observação e presença, onde o corpo é escutado em seus mínimos detalhes, e a mente é convidada a repousar naquilo que está acontecendo agora. Os asanas, então, não são apenas posturas físicas, mas uma forma de meditação em movimento, uma prática ativa de consciência plena. Ao estar completamente imerso na experiência corporal e energética, o praticante experimenta um estado de integração entre corpo, mente e espírito, em que o ato de se movimentar ou permanecer em uma posição se transforma em uma jornada interna de presença e clareza.


Esse processo de atenção contínua cria uma qualidade meditativa na prática, onde não há separação entre o fazer e o ser. É nessa sutileza que os asanas oferecem uma possibilidade de estar completamente no presente, cultivando um estado de quietude interior, mesmo em meio ao movimento. Assim, o corpo se torna um espaço sagrado de investigação, e a prática de asana, um meio de despertar para uma percepção mais profunda de quem somos.


O Corpo na técnica Klauss Vianna


Klauss Vianna tem uma relevância muito grande no campo da dança no Brasil, estimulando o dançar de cada indivíduo, anunciando a dança como um modo de existir.


“Não posso esquecer que estou trabalhando com seres humanos, não com bailarinos, ou esportistas ou professores, ou donas de casa. São seres humanos que buscam a minha aula porque acreditam que eu poderia lhes apontar caminhos. O que busco, então, é dar corpo a essas pessoas, porque elas têm coisas a dizer com seus corpos. Por isso não faço qualquer proposta de movimento que não tenha aplicação na vida diária. Quero que o trabalho seja simples e natural.”  Klauss Vianna (2005, p. 146-47)


Segundo Jussara Miller, aluna de Klauss Vianna e professora da técnica, autora do livro “A escuta do corpo – Sistematização da técnica Klauss Vianna”, os tópicos trabalhados nas aulas não se resumem ao virtuosismo nem ao acúmulo de habilidades corpóreas, mas envolvem o pensamento do corpo, que é um estar presente em suas sensações, enquanto se executa o movimento, sentindo-o e assistindo-o, tornando-se, dessa forma, um espectador do próprio corpo, não apenas no espaço de execução da técnica, mas percebendo-o na rua, no trabalho, em casa.


Ao propor uma forma de dança que transcende a repetição exaustiva da técnica, Klauss Vianna aproxima o ato de dançar ao que é proposto pelo yoga: uma jornada de autopercepção e consciência. Em vez de focar no virtuosismo ou no aperfeiçoamento mecânico do movimento, Vianna convida o praticante a estar presente em seu corpo, a sentir cada movimento como uma expressão autêntica do ser. Essa abordagem ressoa profundamente com os princípios do yoga, onde a prática não se limita à execução física, mas envolve uma atenção plena e uma integração entre corpo, mente e espírito. Tanto na dança de Vianna quanto no yoga, o corpo se torna um veículo de exploração interna, em que o movimento é um meio de acessar uma percepção mais profunda de si mesmo no mundo.


Da ausência à presença


É um fato lamentável que muitos de nós nunca aprendemos a explorar plenamente o potencial de nossos corpos. Desde cedo, somos condicionados a passar grande parte da infância e adolescência sentados em carteiras escolares, limitados por uma estrutura rígida que pouco incentiva o movimento livre e espontâneo. O recreio, que deveria ser um espaço de maior liberdade corporal, muitas vezes vem cercado de regras que restringem ações naturais como correr ou pular. Quando chegamos à vida adulta, movimentos que deveriam ser naturais, como agachar-se de cócoras ou seguir um ritmo com o corpo, tornam-se desafiadores para a maioria. Essa limitação corporal reflete não apenas uma perda de flexibilidade física, mas também uma desconexão mais profunda entre corpo e mente.


O corpo humano, por sua natureza, é altamente adaptável. No entanto, ao longo do tempo, vai se moldando a padrões rígidos e padronizados de comportamento que fazem parte da vida moderna. Tornamo-nos executores de tarefas diárias, vivendo de maneira automática, sem nos darmos conta de nossas próprias sensações físicas. Com o tempo, essa ausência nos aliena de nosso próprio corpo, que se transforma em uma máquina funcional ao invés de uma expressão vital de quem somos. Movimentos simples são substituídos por posturas engessadas, e o corpo, em vez de ser um canal de expressão e criatividade, torna-se uma ferramenta mecânica e automatizada.


Tanto no yoga quanto na dança proposta pela técnica de Klauss Vianna, o primeiro passo é justamente reconectar o aluno com seu corpo, trazendo à tona essa percepção que muitas vezes é negligenciada. A prática convida a um retorno à presença corporal, onde se começa a perceber o corpo não apenas como um veículo de ação, mas como uma fonte de sensações, emoções e criatividade. O objetivo é sair desse estado de ausência para um estado de plena consciência corporal, onde o corpo é mobilizado de forma sensível e criativa para lidar com o momento presente. Ao desenvolver essa percepção refinada, o praticante ganha a liberdade de se mover com autenticidade, respondendo às demandas da vida com mais flexibilidade, presença e atenção plena.


“em geral, mantemos o corpo adormecido. Somos criados dentro de certos padrões e ficamos acomodados naquilo. Por isso digo que é preciso desestruturar o corpo; sem essa desestruturação, não surge nada de novo. [...] Se o corpo não estiver acordado é impossível aprender seja o que for.” (Vianna, op. Cit.,p77)

 

Preenchendo os espaços


A primeira vez que pratiquei uma aula de yoga do estilo vinyasa pensei que aquilo era muito parecido com uma dança. Os movimentos fluidos, ritmados e conduzidos pela respiração lembravam muito uma coreografia. Mais tarde, descobri que essa impressão não era mera coincidência: grande parte do que conhecemos hoje como prática de yoga no mundo moderno, carrega influências não só da dança, mas de várias outras disciplinas do movimento.


Uma característica fascinante dessas técnicas é a maneira como elas propõem movimentos que exploram o espaço em diferentes níveis: baixo, médio e alto. No yoga, assim como na dança, o corpo encontra apoio no chão, que oferece enraizamento e estabilidade, criando a base a partir da qual os movimentos emergem. No entanto, ao contrário de uma movimentação automática, há uma intenção clara por trás de cada gesto. Há ali uma proposta de percepção de como o movimento se inicia, para onde ele vai, quais partes do corpo ele convoca e quais são os vetores de força que atuam na produção desse movimento. O corpo, experienciado de dentro, começa a preencher o espaço com vida.


Não se trata apenas de mover-se mecanicamente, mas de trazer uma qualidade de presença e sensibilidade que permite que o corpo preencha o espaço de forma vívida. Cada movimento é sustentado por vetores de força que moldam a maneira como o corpo interage com o espaço ao seu redor. Essas forças incluem tanto o suporte do chão, que nos oferece estabilidade e segurança, quanto a oposição à gravidade, que nos convida a expandir e explorar as alturas, criando um diálogo entre o enraizamento e a elevação.


Tanto no yoga quanto na dança, os vetores de movimento desempenham um papel fundamental. Eles ajudam a direcionar a energia do corpo e a criar um senso de continuidade e fluidez na movimentação. No yoga, por exemplo, os vetores são percebidos através da ativação consciente de partes do corpo que se estendem e se retraem, gerando uma força que flui em diferentes direções — do centro do corpo para as extremidades e de volta. Na dança, esses vetores se manifestam na forma como o corpo ocupa e responde ao espaço, seja através de movimentos amplos e expansivos ou de gestos sutis e contidos. Em ambos os casos, a consciência dos vetores transforma o movimento em uma experiência de conexão profunda, tanto com o próprio corpo quanto com o espaço ao redor, criando uma dinâmica rica entre ação e percepção.


Preencher o espaço não se resume a um ato físico; é uma experiência que envolve camadas mais profundas de nosso ser. À medida que somos conduzidos para uma dimensão mais íntima do corpo e dos movimentos, nossas emoções e sentimentos também se movimentam em nós. O corpo, nesse contexto, torna-se um espelho para nossa subjetividade, e cada movimento passa a refletir nossa realidade interna. Movendo-se com presença e intenção, não apenas deslocamos o corpo, mas somos preenchidos por uma energia sutil, que dá forma e expressão àquilo que habita dentro de nós — nossas emoções, memórias, e até mesmo partes inconscientes.


Esse processo pode ser profundamente transformador, pois ao integrar corpo e mente, acessamos uma fonte de autoconhecimento e cura. Movimentos simples ganham um novo significado, pois passam a ser acompanhados por uma consciência ampliada, que envolve tanto o corpo físico quanto os sentimentos e sensações sutis que ele abriga. Nesse estado de percepção, o espaço ao redor e o espaço interno se entrelaçam, e o corpo torna-se o canal por onde fluem as emoções que, até então, poderiam estar estagnadas.


O movimento como ato meditativo  


Yongey Mingyur Rinpoche, mestre do budismo tibetano, afirma que a essência da meditação é a consciência plena. Esse ensinamento é central em praticamente todas as tradições espirituais: aprender a estabelecer a mente no momento presente, permanecendo atento e consciente de si mesmo. Assim, a meditação deixa de ser uma técnica isolada e se transforma em um estado que podemos acessar a qualquer instante, em qualquer atividade cotidiana. Esse estado de consciência é igualmente cultivado no yoga e na dança, onde o corpo e a mente se conectam para nos ancorar no agora.



No yoga, cada postura oferece ao praticante a chance de explorar partes de si, de forma consciente e atenta, projetando o corpo no espaço com intenção. Em cada movimento, o corpo é estimulado não só fisicamente, mas também em suas camadas mais sutis, criando um diálogo entre a ação externa e a percepção interna. O simbolismo presente nos asanas adiciona ainda mais profundidade: a postura da árvore, por exemplo, nos convida a enraizar profundamente para alcançar equilíbrio e crescimento; a postura do guerreiro evoca força e presença; as torções permitem olhar para trás, refletindo sobre o passado; e as extensões nos ensinam a flexibilidade, expandindo o coração e a mente. Esses gestos, quando realizados com atenção plena, transformam-se em uma prática de meditação em movimento, onde o corpo se torna um espelho do espírito.


Na dança, ao ser abordada além do simples domínio técnico, o corpo encontra também um caminho para o autoconhecimento. Movendo-se pelo espaço, o dançarino entra em uma espécie de transe, onde o tempo parece desaparecer e o êxtase do momento presente toma o centro. As emoções e sensações fluem com cada gesto, e o corpo se torna um canal de expressão autêntica, navegando no aqui e agora sem se prender a expectativas. Nesse estado de entrega, a dança se torna uma forma de meditação ativa, uma experiência de presença em que o corpo e a mente se dissolvem no fluxo do presente.


Assim, tanto no yoga quanto na dança, a prática não se limita a um exercício físico; é uma jornada de descoberta interior. Movendo-se com consciência, o corpo revela dimensões profundas do ser, permitindo que cada movimento se torne uma porta para o autoconhecimento e para uma presença transformadora.

 
 
 

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